Ouvi esse texto recentemente e achei perfeito para representar a simbologia dessa Lua Cheia em um signo de fogo. Aliás, signo no qual Urano passeia atualmente, incentivando a iniciativa para mudanças, uma troca de escamas sociais na marra. A narrativa poética é de Luisa Hokema. Mas nem vou falar muito de astrologia ou interpretar o texto não! Só é para ler e se inspirar, se está fazendo isso até a noite da Lua Cheia de Outubro, aproveita e olhe para a Lua :)
Naquela noite chovia sem parar, um dilúvio de lágrimas que roubam o sono de qualquer ser vivo. Ela detestava chuvas como aquelas, tanto as próprias como as alheias. Mas a porta da varanda batia um ruído martelado e sufocante, fazendo com que ela deslizasse contra a própria resistência sua trabalhosa saída da cama morna. Passou pela cozinha, iluminada por uma lua fraca, rastejando seus pés cansados e torpes, e toda estremecida, saiu para a varanda com um tropeço estrondoso que a acordou de vez. Com susto e irritação, apertou seus olhos, e ao abri-los caíram em cima de outro ser vivo.
Um mistério molhado, pele negra de carvão ressaltando vistosas manchas cor-de-fogo, como se tivesse estudado os princípios das cores e, para alcançar o efeito desejado, contraposto a cor mais brilhante com a mais escura do espectro. Depois de alguns momentos, aproximou suas mãos daquela existência lenta e suntuosa, e sentiu um calor gostoso sendo transportado pelas veias até o seu lugar mais íntimo.
'Não tiro minhas mãos daqui por nada' pensou, com medo de que qualquer movimento permitisse que a frieza a invadisse novamente. Porque teria esse delicado mistério úmido aparecido justo naquela varanda? Que voz poderia sair deste ser mudo para comunicar-se com o mundo? Precisava-se de voz para existir, disso estava convencida, pois era nisso que consistiam suas buscas mais arraigadas. Observou que seus movimentos suntuosos não transpareciam nem idade nem fadiga nem perigo. E eu me encontro num ritual pessoal fadado ao fracasso. Todo dia me proponho percorrer os mesmos caminhos de obediência, para continuar sem voz.
Nada mesmo poderia uma salamandra ter a ver com a minha própria vida, nada seu olhar fixo lhe revelou. Só pouco a pouco, naquela pele, ela se reconheceu. Pele que descama, pele que renova, pele que resseca, pele que respira. Porque tentava ela fixar suas crostas velhas, ainda? Desejava sair da pele dos modelos ensinados, técnicos, exigentes, encrustados, controlados, e se mover em uma deliciosa solidão em direção à cada superação. Eu preciso quebrar, pensou. Quebrar será o meu tom mais verdadeiro. Quebrar será macio.